quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Brasil: Reformismo e sonhos de futuro * Jair de Souza/Rebelião

Brasil: Reformismo e sonhos de futuro
Jair de Souza/Rebelião

Nos tempos atuais, as forças que se consideram de esquerda enfrentam grandes dificuldades existenciais. Uma das principais está relacionada com a formulação de um programa político que oriente a sua luta pela construção da desejada nova sociedade.

Devido à forte influência europeia a que ainda estão sujeitos os povos da periferia do capitalismo, as linhas de ação política características do campo majoritário de esquerda naquele continente acabam também por exercer forte influência no Brasil e na maioria dos países do chamado Sul Global. Por isso, aqui no nosso país, o modelo que tem predominado é o levado a cabo por partidos ligados à orientação hegemonizada pela social-democracia europeia há pelo menos um século.

Na Europa, um dos pontos mais relevantes no comportamento prático e teórico desta corrente política que emergiu dos movimentos operários tem sido o seu abandono absoluto de quaisquer outras formas de disputa pelo poder fora do quadro da democracia liberal burguesa. E quando dizemos luta pelo poder, na verdade, estamos exagerando, pois seria muito mais realista falar apenas de uma tentativa de chegar ao comando do governo, já que as verdadeiras estruturas de poder não estão ameaçadas.

Assim, tendo como prioridade que o caminho a seguir se limite exclusivamente ao voto dentro do sistema do capitalismo liberal, os partidos sociais-democratas europeus assumiram como a sua tarefa mais relevante a tarefa de tomar consciência do estado de espírito, das ansiedades e os desejos que permeiam os potenciais eleitores das massas populares e, a partir das medições obtidas, procuram cativá-los com propostas que satisfaçam as suas aspirações do momento.

Assim, em vez de ter como objectivo central a educação e organização do povo com vista à transformação das estruturas que sustentam o actual sistema capitalista, o objectivo principal passou a ser dedicar-se a encontrar formas de torná-lo mais tolerável para a maioria dos cidadãos. a população. Ou seja, a proposta não é mais substituir o sistema capitalista por outro de natureza diferente, mas simplesmente adaptá-lo para que funcione sem grandes atritos.

Como resultado da dependência ideológica que grande parte da esquerda brasileira tem desta social-democracia europeia, a situação no Brasil não difere muito daquela que prevalece nos países da Europa Ocidental. Para avaliar se faz sentido o que acabamos de mencionar, é conveniente que analisemos a evolução teórica e prática do grupo esquerdista numericamente mais expressivo em nosso país, ou seja, o PT.

Como sabemos, o PT nasceu de uma confluência de militantes políticos de vários ramos socialistas que se opunham à linha de moderação que caracterizava certos grupos de esquerda da época, como, por exemplo, o PCB, e sindicalistas combativos dispostos a lutar pela conquista. de direitos para a maioria trabalhadora, que era explorada ao extremo com base na política totalmente favorável às classes dominantes imposta pelo regime militar que usurpou o governo da nação em 1964.

Assim, em sua fase inicial, o PT caracterizou-se como uma organização política decidida a substituir o sistema capitalista por um socialista, ou seja, surgiu e cresceu entre a nossa população como uma entidade claramente antissistema e apoiadora do socialismo. Foi com essa imagem que o PT se formou e se expandiu, conquistando os corações e as mentes de uma parcela muito significativa da nossa população, principalmente daqueles que sonhavam em transformar a nossa sociedade para erradicar dela o capitalismo.

No entanto, desde a chegada de Lula ao governo em 2003, as suas perspectivas de realizar mudanças estruturais na sociedade foram abandonadas. É verdade que muito tem sido feito para melhorar as condições de vida da maioria popular. Mas, por outro lado, desde então, o ideal de substituição do atual sistema capitalista pelo socialismo nunca, ou quase nunca, voltou a ser destacado, nem por Lula nem pelos seus mais próximos colaboradores do governo.

No que diz respeito à solidariedade com os povos que enfrentam o imperialismo, a posição atual de Lula e de vários dos seus ministros parece ainda mais afastada dos propósitos iniciais característicos do PT. Tanto é verdade que o seu actual governo confrontou obstinadamente os governantes dos países latino-americanos que mais sofrem e resistem à agressão do imperialismo norte-americano. Entre eles estão Venezuela e Nicarágua.

Nossa diplomacia agora parece estar muito mais sintonizada com as diretrizes de Biden, Kamala Harris e do Partido Democrata Americano do que com os velhos sonhos de uma América Latina popular, livre e soberana que eram defendidos por Fidel Castro, Che Guevara e Hugo Chávez.

Não há dúvida de que é muito mais fácil falar da luta pelo socialismo do que empreendê-la na prática. As circunstâncias que prevalecem no atual terceiro governo de Lula ainda são muito mais precárias do que aquelas que existiram durante os seus governos anteriores. O nível do seu apoio parlamentar é hoje muito menos sólido do que era.

Contudo, não se trata de apegar-se ao lema “tudo ou nada”. Sabemos bem que na vida concreta das massas trabalhadoras tão impiedosamente exploradas, mesmo uma conquista que nos parece pequena pode, de facto, significar muito.

O maior desafio é saber conciliar as batalhas pelas pequenas e efetivas conquistas diárias com a luta pelo mundo que sonhamos alcançar. E a tristeza nos atinge quando percebemos que, para muitos, esse sonho não existe mais.

E quando a esquerda deixa de sonhar com a construção de uma nova sociedade baseada na igualdade, podemos dizer que é o sonho dos capitalistas que se materializou.

Concluindo, a questão não é definir se estamos ou não em condições de construir o socialismo neste momento. O que me parece preocupante é o abandono desta perspectiva. E é isso que o comportamento de Lula e de vários nomes importantes ligados ao PT parece nos indicar há algum tempo.

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